PRISCILLA
Quando a adolescente Priscilla Beaulieu conhece Elvis Presley em uma festa, o homem que já era um superstar do rock torna-se alguém completamente inesperado em momentos particulares: uma paixão emocionante, um aliado na solidão, um melhor amigo vulnerável. Por meio dos olhos de Priscilla, Sofia Coppola conta o lado invisível de um grande mito norte-americano durante o longo namoro e casamento turbulento de Elvis e Priscilla, desde uma base militar alemã até à sua propriedade dos sonhos em Graceland. O filme é um retrato de amor, fantasia e fama profundo e arrebatadoramente detalhado.
NOTA: 7.5/10
Baseado no livro de Priscilla Presley de 1985, Elvis and Me, o filme de Sofia Coppola acompanha de perto a relação que Priscilla tinha com um dos cantores mais famosos da história.
Eu estava com muita curiosidade de assistir o filme, especialmente depois de ter visto Elvis (2022) de Baz Luhrmann, que acabou rendendo um total de 200 milhões de dólares em bilheteria. O filme ficou muito famoso por estrelar Austin Butler que se dedicou 100% ao personagem, rendendo alguns TikToks sobre como sua voz mudou para sempre devido á um extenso processo de imersão em Elvis.
Enquanto Baz Luhrmann conta a história de um personagem por uma ótica do sofrimento que a vida pública e relações pessoais trouxeram para o cantor, Sofia Coppola chega com um filme de orçamento muito mais baixo, distribuído pela plataforma MUBI, conhecida pela sua curadoria de filmes com caráter mais "independente". Coppola propõe uma ótica feminina sobre a vida de alguém afetado por Elvis. Sinto que a comparação dos dois filmes é a ultima coisa que os diretores iriam querer, mas visto a proximidade das duas obras, fica um pouco difícil para mim não relacionar um com o outro.
Priscilla tem uma ótica delicada, mesmo tratando de assuntos mais pesados como abuso de poder e relações tóxicas. Isso é um traço de Sofia Coppola que vemos em seus outros filmes como Maria Antonietta (2006) e O Estranho Entre Nós (2017). Sinto que cada vez que a diretora apresenta um novo filme conseguimos entender cada vez mais o que ela quer lançar para o mundo. A delicadeza e sutileza para colocar detalhes é um ponto alto, e é um contraponto com Elvis, que é extremamente maximalista e se aproveita em tudo da estética do Rei do Rock.
Com isso sinto que Coppola se distanciou mais ainda do filme de 2022, ao se utilizar da feminilidade extrema para contar a história de Priscilla. Enquanto Elvis é especulativo, Priscilla é sutil. Contudo, ressalto que ainda vejo muitas similaridades na história, pois ambos escolhem um ponto de narrativa e o defendem até o fim. Elvis conta como o cantor foi moldado por seu agente "o Coronel", enquanto Priscilla mostra que ela foi moldada pelo seu marido.
O filme inicia quando Priscilla tem 14 anos e mora na Alemanha com seus pais e coincidentemente Elvis Presley está cumprindo seu serviço militar na mesma cidade. Ela então acaba sendo convidada para uma festa na casa do cantor e o relacionamento dois começa á partir dali. O filme conta a história ao longo dos 13 anos em que estiveram romanticamente envolvidos, passando pelo seu casamento e divórcio.
A narrativa foca muito na diferença de idade entre o casal (Elvis tinha 24 quando a conheceu), sendo evidenciada pelo filme em diversas oportunidades para transmitir a dinâmica de poder que acontecia na relação. Cailee Spaeny que interpreta Priscilla tem 1,55 m de altura, enquanto Jacob Elordi, que é Elvis tem 1,96 m.
Já no início do filme, temos vislumbres de quem Priscilla é, mostrando sua rotina, sua escola, as característica de seu quarto, tudo isso para contextualizar sua personalidade aos 14 anos. Quando conhece Elvis pela primeira vez, é jogada em uma casa luxuosa, com pessoas mais velhas, bebida e música. Portanto, já nesse início entendemos a situação assustadora e encantadora em que ela se encontrava.
O roteiro foi escrito pela diretora e baseado diretamente no livro, enquanto Priscilla Presley foi produtora executiva. A filha do casal Lisa Marie Presley, que faleceu em Janeiro de 2023, que tinha uma relação conturbada com sua mãe, de acordo com a revista Variety, não ficou muito feliz com a narrativa escolhida para o filme.
Acho bom entender que Priscilla, apesar de ser baseado em fatos reais, assim como o filme de 2022, defende uma narrativa escolhida pelo cineasta. O filme não tem função documental, mas sim de expor um ponto de vista, aí então, podemos entender o porque não agrada especialmente os fãs de Elvis, pois coloca o cantor sobre uma ótica desconfortável. Verosímil ou não, é muito crível tudo o que se é colocado em tela, não só por entendermos que é a palavra de sua esposa, mas também pelo filme mostrar tanto os lados violentos quanto amorosos do cantor.
Sofia Coppola está preocupa em passar o ponto de vista de uma menina de 14 anos que se envolveu com um dos homens mais famosos do mundo. Dentro disso temos momentos em que Priscilla se vê feliz tanto quanto em agonia dentro de seu casamento. É fácil muitas vezes se deixar levar pelo romance, especialmente pela construção em tela. Tudo é muito delicado e bonito, as roupas são perfeitas, cenários perfeitos, atores lindos, e por um lado isso é especial, pois retrata essa perspectiva que uma menina teria, quando é amada por alguém como Elvis. Porém por outro lado foge um pouco da "feiura" que a situação retratava. Mais uma vez tenho que comparar ao filme de 2022, pois apesar de se demonstrar quase "coreógrafado" e muitas vezes uma tentativa de cópia de realidade, ele não tem medo de mostrar o lado feio de Elvis e sinto que Priscilla fugiu disso, tanto com a personagem principal quanto com seu marido.
Jacob Elordi como Elvis é brilhante em transmitir medo. Fico me perguntando se ele vai conseguir sair dessa ótica de bad boy perturbado que faz tão bem especialmente em Euphoria. Coppola e o ator trabalham muito bem com as sutilezas amedrontadoras. O olhar, a voz, a risada, formam um combo para que ele vire uma figura opressora em tela. Já Cailee completa desafio colocado á ela. É extremamente crível sua inocência, com um olhar expressivo, a atriz também trabalha nas sutilezas e o seu silencio é a parte mais preciosa de sua atuação.
Sinto que a grande sacada do filme foi não tratar a questão da fama como a catalisadora dos problemas de Priscilla, mas sim mostrar que foi Elvis e suas características presentes em qualquer homem que vê sua mulher como ele via, que levaram á sua opressão.
Os momentos mais desconfortáveis para mim foram quando vamos Priscilla envolvida na vida de Elvis, sabendo que ela era apenas uma adolescente. Ele a leva fazer compras e coloca todos os seus amigos sentados em um sofá para analisar cada um dos seus vestidos. Com menos18 anos, ela está em cassinos para jogar, beber e tomar drogas. Cenas como essas são tão incomodas pois coloca o público em um lugar identificável, pois sabemos que situações opressoras acontecem frequentemente com mulheres, tanto as envolvendo violência e feminicídio, quanto as ações diárias de opressão.
Coppola usa do texto e também da simbologia para tratar tudo isso. No momento que Priscilla chega a casa de Elvis ela comenta com ele que deseja trabalhar, e Elvis logo explica que não seria possível pois "é ele ou carreira". Em outra cena, quando ela se forma da escola, Elvis a encoraja a jogar seu chapéu de formatura para o alto e ele nunca desce, deixando implícito que sua educação foi jogada fora.
Para mim o filme cumpre a sua função dentro do universo que Coppola propôs, tendo uma comunicativa fácil e simples, beirando um básico. Não é um filme de questionamentos profundos, mas não sei se é isso que a diretora queria. É bom sempre lembramos da proposta do filme e do local em que ele se encaixa diante as discussões, para que não continuemos a colocar obras em locais que não pertencem e explorar questões sociais mais profundas a partir de filmes que não propõe isso.
Priscilla está disponível nos cinemas.
Marina Barancelli,
Diretora, Produtora e Atriz
ELENCO
Cailee Spaeny, Jacob Elordi
ROTEIRO
Sofia Coppola
PRODUÇÃO
Lorenzo Mieli e Sofia Coppola
DIREÇÃO
Sofia Coppola