
POBRES CRIATURAS
Pobres Criaturas é um filme de romance e ficção científica dirigido por Yorgos Lanthimos e produzido por Emma Stone, que também atua no longa. Baseada no livro homônimo de Alasdair Grey e referenciando o clássico Frankenstein, a história se passa na Era Vitoriana e acompanha Bella Baxter (interpretada por Stone), trazida de volta à vida após seu cérebro ser substituído pelo do filho que ainda não nasceu. O experimento é realizado pelo doutor Godwin Baxter (Willem Dafoe), um cientista brilhante, porém nada ortodoxo. Além de Stone e Dafoe, o elenco também conta com Mark Ruffalo, Jerrod Carmichael, Ramy Youssef, Christopher Abbott, Margaret Qualley, Kathryn Hunter, Suzy Bemba e Wayne Brett.
NOTA: 10/10
Vou começar admitindo que, apesar de não ter dúvida nenhuma da nota para esse filme, escrever sobre Pobres Criaturas foi muito difícil. Quando eu saí da sala de cinema, senti um leve desespero pensando em como que eu ia resumir tudo o que eu tinha acabado de assistir em um texto. Esse pós-filme foi extremamente bizarro, não ruim, deixo isso bem claro, mas estranho.
Para quem não conhece, o diretor de Pobre Criaturas é o grego Yorgos Lanthimos, famoso pelo filme A Favorita (2018), que rendeu o Oscar de melhor atriz para a Olivia Colman. O roteiro é de Tony McNamara, que também escreveu A Favorita, além de mais recentemente ser o criador e roteirista da série The Great, da Hulu. Pessoalmente, sou muito fã dessa dupla, gosto muito de como eles contam histórias e brincam com narrativas tradicionais. Nessas duas obras que eu citei, e de certa forma em Pobres Criaturas, eles mexem com histórias que estamos acostumadas a ouvir e colocam essas narrativas em um local inesperado.
As obras mais conhecidas de ambos, contam com figuras femininas em protagonismo, e o principal de tudo, que agem de forma completamente diferente do que estamos acostumados a ver mulheres fazendo em tela. Muitas vezes, quando eu vou assistir a um filme com protagonistas e temáticas femininas que tem como sua equipe principal a maioria homens, eu já fico com o pé atrás. Não foi diferente com Pobres Criaturas, mas logo nos primeiros 20 minutos do filme, algo em específico nele conseguiu abaixar um pouco a minha guarda.
O porquê de eu estar falando isso é que esse é o terceiro trabalho que eu assisto do Tony McNamara que tem protagonistas mulheres e eu gosto muito. Eu não acho ele perfeito, inclusive em The Great eu tenho muitas críticas de como ele escreve a personagem principal, porém quando eu vejo essas obras, eu reflito muito em como eu sinto (e essa frase tem validade) que esse é um caminho (ainda MUITO longo) em relação a homens que trabalham com narrativas femininas.
Ambientado na Londres Vitoriana, Pobres Criaturas foi baseado no livro de mesmo nome do autor escocês Alasdair Gray. Ele acompanha a vida de Bella Baxter, interpretada pela Emma Stone, uma menina que vive reclusa na mansão do estranho cirurgião Dr. Godwin "God" Baxter. O filme acompanha o amadurecimento da Bella conforme ela deixa a proteção exacerbada do Doutor e vai experimentar o mundo.
Eu não sou uma pessoa que não enfrenta a realidade humana (acho), não me considero nem pessimista e nem otimista, mas, eu tento olhar o mundo como ele é. Esse filme lida muito com o enfrentamento da realidade que é ser uma criatura na terra, e eu consegui me conectar demais com a forma que ele fez isso. A Bella foi a personagem usada na narrativa para investigar isso, e ela ser uma mulher, para mim foi a melhor estratégia possível. Não isenta da vivência feminina, que é inclusive muito ressaltada durante o filme, a narrativa usa ela para descrever o que é ser humano.
Normalmente, quando falamos de filmes com temáticas mais existenciais, a gente pode citar vários em que os protagonistas são homens (Cidadão Kane, Blade Runner, Show de Trumann, Birdman e entre outros). Em tese, o objetivo desses filmes é, por meio de um personagem, explorar as questões em comum da existência humana, que nos olhos de Hollywood (e principalmente dos seus executivos) não há ninguém melhor do que um homem comum para falar sobre isso. Bem, Pobres Criaturas veio falar que não é bem assim.
Eu sou uma grande defensora da vivência individual do ser humano baseada em diversos fatores da nossa sociedade, mas querendo ou não, estamos em uma sociedade construída do modo que é hoje, porque há milênios ela vem sendo baseada em normas sociais. Um grande ponto desse filme, a meu ver, é questionar isso, e para isso vai a minha superestrela. É extremamente válido Show de Truman (1998) questionar o espetáculo que é a vida e como a sociedade espera que ajamos da forma que faz, mas o que me deixou tão fã de Pobres Criaturas é com a narrativa ridiculariza esse modo de viver que impede nós seres humanos de experienciarmos tanta coisa.
Agora deu para entender por que achei perfeito a Bella ser a personagem principal? Se há alguém, principalmente em uma sociedade Vitoriana, que entende o que é viver preso a essas normas, é uma mulher. É claro que o filme é incrementado com algumas questões para salientar isso, a Bella, por exemplo, começa o filme não sabendo falar, pois seu cérebro não é ainda desenvolvido, mesmo na idade adulta. Porém, com isso, ela não tem noção das "boas maneiras", pois foi criada trancada em casa, portanto, quando ela vai experimentar o mundo, é dessa forma desinibida e inocente.
Eu saí do filme me perguntando por que eu ligo tanto para os likes do meu Instagram e, ao mesmo tempo, questionando o porquê de eu deixar uma entidade social ditar o que eu faço. Não vou começar a um manifesto anarquista aqui, e tenho certeza de que não foi isso o que o diretor quis, mas o motivo pelo qual eu acho esse filme tão bom é porque ele, de forma majestosa, fez o que o cinema faz. Passou uma mensagem.
Eu fico muito animada quando isso acontece, porque dá para ver que o Yorgos é um homem que sabe o que faz. A cinematografia, a arte, a atuação, o roteiro, a edição, tudo é usado ao extremo para contar essa história. Eu daria o prêmio de melhor diretor para esse homem sem piscar. Ele conhece técnica e ele conhece arte, e esse filme prova isso. O filme não é nem um pouco delicado em contar a história, por isso aviso, temos muitas cenas explicitas e muito palavrão, mas de forma alguma é gratuito, já que um grande ponto nesse filme é questionar a "Proper Society", ou as boas maneiras.
Colocar uma mulher para questionar e exemplificar o que é ser uma criatura do mundo é no mínimo o básico. Além de entendermos toda a parte fundamental do que é ser uma criatura, porque afinal de contas, qual gênero for, nós nascemos da mesma forma, a Bella, através da vivência dela, mostra que a mulher passa por todas as etapas que um homem, mas pelo peso do sexo dela, acaba tendo algumas bagagens a mais.
Eu entendo que não é um filme para todo mundo, mas eu não vejo algo que me leve a falar que esse filme não faz sentido. Falando isso, não pude deixar de pensar no filme Mãe (2017), do Darren Aronofsky, que acho que estava tentando fazer o que o Yorgos fez com Pobre Criaturas. Lá em Mãe, nós temos a metáfora da Terra que abre sua casa para os humanos e pouco a pouco é depredada. Daren colocou, a meu ver, muita coisa por impacto ao tentar falar da destruição que o ser humano causa na Terra, mas em Pobres Criaturas, quando Yorgos explora como é o próprio ser humano quem corrompe outro ser, eu não senti isso. Para mim não é o choque pelo choque. Em um o Javier Bardem era a personificação de Deus, e deixou essa metáfora estranha e nada acessível, já em Pobres Criaturas, o criador da Bella é apelidado por ela de God, que em inglês é Deus, e pode ser lido no sentido literal, mas o mesmo tempo, ele é literalmente o criador dela, tendo ela como sua filha e experimento.
Eu me peguei durante o filme pensando muito sobre esses personagens. A Bella vê o "God", interpretado pelo Willem Dafoe, como o farol dela, assim como a sociedade vê Deus, mas, ao mesmo tempo, ele vê nela essa criatura a ser moldada à perfeição, que acaba não saindo como ele esperava. Eu fui um pouco fundo, mas o que eu quero dizer é que são metáforas acessíveis e inteligentes ao mesmo tempo, o personagem do Mark Ruffalo, Duncan Wedderburn, por exemplo, funciona quase como a Eva que tirou a Bella do paraíso, e eu pessoalmente achei muito interessante essa inversão de papéis.
A Bella é uma personagem muito fácil de se apegar, apesar de não ter nenhuma das qualidades que a sociedade diz ser perfeita. A Emma Stone me surpreende cada vez mais, ela tem uma veia cômica absurda que, combinada com a afinidade para o drama, resulta em uma perfomance perfeita. O resto do elenco também é incrível, inclusive me surpreendi muito com o Mark Ruffalo, que depois de uma década de ser reconhecido por Hulk, e De Repente 30, para mim, ele finalmente mostrou que é um ótimo ator.
Por último, deixei para falar da equipe do filme, que conta com muita gente que previamente já trabalhou com o diretor e roteirista. Pobres Criaturas é um primor na fotografia e arte e nos outros aspectos técnicos (apesar de pecar nos efeitos especiais). O filme se passa em uma sociedade Steampunk e a interpretação fantástica para a realidade do filme ficou absurda. Os figurinos são lindos, cenários incríveis, maquiagem linda, além da cor desse filme ser perfeita. O uso pontual do preto e branco combinado com as cores vivas é maravilhoso. Na primeira cena, já fiquei louca, pois depois de um 2023 com filmes e séries tão cinzas que parecia que iluminação e cor não existiam em Hollywood, ver isso em tela foi o que eu precisava para retomar minha fé.
Pobres Criaturas estréia dia 01 de fevereiro nos cinemas!
Marina Barancelli
Produtora, Diretora e Atriz
Janeiro, 2023
ELENCO
Emma Stone, Willem Dafoe, Mark Ruffalo, Christopher Abbott.
ROTEIRO
Alasdair Gray, Tony McNamara.
PRODUÇÃO
Daniel Battsek
DIREÇÃO
Yorgos Lanthimos.